sábado, 5 de novembro de 2016

Contar histórias como um hobbie

Biblioteca de Direito da Universidade de Zurique, foto de herbstkind
     Olá.

     Não quero perder o meu tempo (ou o seu) me explicando mais uma vez o porquê de eu não ter escrito nada nos últimos quatro ou cinco meses. Desculpa.

     Indo direto ao assunto, talvez percebam que a minha escrita, principalmente em português, varia muito dependendo de quando eu escrevo. Eu certamente percebo. Meus primeiros posts neste blog foram escritos pós-conclusão do Ensino Médio, quando eu ainda seguia muito a estrutura das redações que me eram ensinadas nas aulas de Português. Depois que entra na faculdade, você passa a tomar um pouco mais de liberdade... a menos que você estude Letras, é claro.
     Enfim, meu último texto em português, se não me engano, sobre ignorância e arrogância, foi escrito logo após uma série de leituras de Sigmund Freud que tive que fazer para uma prova de psicanálise. Caso não saibam, Freud era um cara extremamente culto e erudito, e isso é refletido de maneira muito explícita em sua escrita. Sua leitura pode até, num primeiro momento, parecer difícil, mas depois que você se acostuma com o jeito de lê-lo, a experiência se equipara com a leitura de uma prosa poética, tão majestosa e fluida, que você se sente estar boiando num rio de águas claras e calmas onde tudo o que se precisa fazer é deixar-se levar pela corrente natural do rio. E por isso escrevi esse texto da maneira que escrevi.
     Obviamente, minha escrita já não está mais assim. Fiquei praticamente cinco meses sem ler um bom texto em português, e mais ainda sem redigir. Pois bem, estou falando disso porque estive pensando sobre autores de romances, sobretudo dos brasileiros, e de quantas histórias ainda não foram contadas simplesmente por falta de interesse, criatividade, inspiração, habilidade, e etc., etc. — até quantas desculpas lhe forem possíveis de dar. Quantos leitores de romances existem? Quantos amantes de ficção e não-ficção não estão por aí absorvendo dezenas, se não centenas, das mais diferentes histórias e técnicas de escrita? Amigos, vamos tentar superar as histórias (os chamados textões) de Facebook, as detestáveis confissões de WhatsApp, as fan-fictions, e os demais textos de rede sociais supérfluos que não buscam nada mais do que audiência e a aprovação dos outros?
     Claro que generalizar é um erro, e não deixo de reconhecer o valor que certos desabafos carregam ao serem compartilhados (casos de assédio às mulheres, por exemplo). Não estou dizendo que tais textos devam parar de ser escritos. O que quero propor — se é que estou na posição de propor alguma coisa — é ir além. Vejo tantas histórias interessantes sendo contadas, algumas de teor cômico ou satírico, outras que evocam sentimentos tão translúcidos e sinceros ao leitor, que imagino o quão incríveis tais histórias seriam se fossem escritas de maneira a conter maior valor literário.
     Um dos maiores erros que um escritor em potencial pode cometer é ficar em aguardo de uma "inspiração", tratando-a como se fosse algo quase mágico, espiritual, para que possa então escrever o melhor texto já escrito em sua curta vida, e ficar horas e mais horas sem dormir porque possui a mais inacreditável obra-prima em sua mente lhe tirando o sono, já pensando no extraordinário best-seller que ela será sem sequer ter terminado de escrever o primeiro capítulo. Talvez involuntariamente, romantizarmos o caminho para o sucesso profissional, tornando-o algo quase que inalcançável, imaginativo, um sonho que nunca deixará de ser apenas sonho. Mas muitos dos maiores autores que já existiram já possuíam um número considerável de histórias escritas antes de terem o seu "big break".
      Pensemos, no entanto, em fazer algo diferente. Não sei de onde tiramos a ideia de que para escrever um livro é preciso fazê-lo com o intuito de publicá-lo ou vendê-lo, ou mesmo de conseguir alguma fama e dinheiro. Esse tipo de mentalidade leva à predominância dos "autores pop" que, assim como na música e no cinema pop, raramente produzem algo com qualquer real valor artístico. Talvez, o que esteja querendo incentivar é uma "escrita indie", ou melhor, uma escrita de histórias indie, mas que vão além dos textos de facebook e demais redes sociais (o que talvez seja irônico). Histórias não necessariamente fictícias, mas textos que simplesmente possuam algo a contar para o leitor, sem qualquer outro objetivo para este. Todavia, quando digo indie, estou querendo dizer (como explicitei logo acima) uma escrita verdadeiramente indie. Não de escritores de segunda que publicam romances eróticos à la "50 tons de Cinza" ou romances juvenis visando audiências bem específicas, como estes aqui. Ir além significa também desprender-se dos tradicionais gêneros e escolas literários e escrever algo que é originalmente seu, sem ter que necessariamente encaixar-se num gênero ou outro. Significa criar algo realmente novo.
     Lembram-se de quando os nossos professores de português nos pediam para escrever um conto, uma crônica, um poema, enfim, uma história qualquer como redação ou lição de casa? Ora, agora temos a vantagem de não ter a pressão de ter que escrever algo bom ou de seguir um tema e estrutura específicos, então o que nos impede de escrever histórias simplesmente pelo prazer de escrevê-las? Deixemos de lado nosso narcisismo e tratemos o ato de redigir textos como algo tão natural quanto malhar na academia. Já pensou? Se todo nós escrevêssemos histórias com a mesma frequência e cotidianidade com a qual nos exercitamos, imagine o quão (mais) rico seria o nosso acervo literário e bibliográfico — "às segundas e quartas de manhã corro no parque, aos domingos escrevo mais alguns parágrafos da história que estou contando".
     Obviamente, há a preocupação de distanciar-se um pouco das histórias já existentes, afinal, de nada serviria que fossem escritos centenas de outros Harry Potteres, Percy Jacksons, e afins. Mas se quantidade não é o mesmo que qualidade, ao menos aumentariam-se as chances de que algumas das novas centenas de histórias que seriam escritas revelariam o nosso novo Machado, ou Clarice, ou Veríssimo, ou Lygia. E voltaríamos, talvez, para uma época em que as pessoas eram, pelo menos aparentemente, menos pretensiosas; à qual, dentre aquelas que podiam escrever, faziam-no com a mesma naturalidade e mundaneidade de qualquer outro hobbie.


Red ballon, de Kaycee


Red ballon, de Kaycee